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Como o Brasil pode se beneficiar da 'reglobalização'

Como o Brasil pode se beneficiar da 'reglobalização'

Na nova fase de redesenho global marcada pelo avanço dos emergentes, país ampliará competitividade ao se posicionar melhor sobre segurança alimentar e economia verde. Tema foi abordado durante o XII Encontro Brasileiro das Empresas Comerciais Importadoras e Exportadoras, do CECIEx

De celeiro para supermercado do mundo: o Brasil se tornou o maior exportador global de alimentos industrializados, crescendo 72% nos últimos sete anos, segundo informações do jornal Folha de S. Paulo. Mas as commodities continuam a puxar esse movimento, e devem fazer a balança comercial do país fechar 2023 com saldo positivo de US$ 100 bilhões.

Na nova fase da globalização, ou 'reglobalização' mundial, os países emergentes estão avançando na paridade de poder de compra de países mais ricos. E, no atual contexto, o Brasil pode melhorar ainda mais sua competitividade, se souber se posicionar no comércio exterior quanto à preocupação global com segurança alimentar, energia e economia verde.

Esses foram os principais pontos destacados pelo diplomata Marcos Troyjo, membro do Conselho do Futuro Global, do Fórum Econômico Mundial, na palestra "Projeção de Cenários até 2030 e as Novas Mega Tendências", apresentada no XII Encontro Brasileiro das Empresas Comerciais Importadoras e Exportadoras e transmitida direto de Dubai. Realizado de 05 e 07 de dezembro pelo Conselho Brasileiro das Empresas Comerciais Importadoras e Exportadoras (CECIEx), o evento teve apoio da SP Chamber of Commerce, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

O mundo se encontra no momento em que brasileiros de "olhos abertos e antenas ligadas" devem ficar atentos às grandes tendências, disse, considerando as vantagens competitivas que o país pode construir, tanto para enfrentar obstáculos, como para as oportunidades que vêm por aí.

Entre elas, o aumento populacional exacerbado dos próximos 25 anos, o próprio avanço dos países emergentes, o "comércio de água" em que o Brasil pode se consolidar como protagonista ou as novas visões de políticas internas e externas (a geoeconosecurity), para trazer de volta os elos das cadeias de produção, monopolizados pela China nos últimos 40 anos.

Troyjo, que foi presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) dos Brics, e Secretário Especial de Comércio Exterior do Ministério da Economia, afirmou que ainda que o Brasil já esteja aproveitando essa nova fase do comércio internacional (vide os números acima), ele representa 20% a 25% do PIB, em média. E, assim como países como Argentina e Turquia, é ainda muito voltado para si, sem grandes acordos comerciais e muito protecionismo.

"Por isso é preciso ficar atento às tendências e dinâmicas em operação, que afetam em grande medida o sucesso do comércio exterior brasileiro. Não importa quem seja o presidente do Brasil, dos Estados Unidos ou da China, elas se concretizarão de qualquer maneira", disse.

Em três dias de evento, a edição 2023 do Encontro do CECIEx promoveu rodadas de negócio entre mais de 200 indústrias e empresas comerciais importadoras e exportadoras e compradores de países como Bolívia, Colômbia e Peru. A estimativa de negócios realizados no total é de US$ 4,257 milhões, e as expectativas de realização de negócios para os próximos 12 meses é de US$ 17,155 milhões.

A seguir, veja os principais pontos do redesenho global listados por Marcos Troyjo:

DE OLHO NO AUMENTO POPULACIONAL

Um crescimento líquido de 2 bilhões de pessoas até 2048. Esse é o aumento previsto para a população mundial nos próximos 25 anos.

"É como se o mundo recebesse uma nova Rússia (quase 150 milhões de habitantes), um Estados Unidos (350 milhões) e uma China (1,5 bilhão). Ou, 10 novos 'Brasis', do ponto de vista populacional, que serão agregados à demografia do planeta", disse Troyjo.

O que mais chama atenção, porém, é que, dos 193 países com cadeiras na ONU, esse aumento acontecerá em apenas nove - e todos emergentes. Entre eles está a Índia, que já ultrapassou a China como país mais populoso do mundo, o Paquistão e a Nigéria, que ultrapassaram o Brasil, que caiu da 5ª para a 7ª posição no ranking, segundo o Censo 2022 do IBGE.

Além destes, seis países da África Subsaariana, entre eles Congo, Uganda e Etiópia, engrossam esse movimento. Por isso, segundo o diplomata, os países emergentes darão, de "forma dramática e robusta", a tônica do crescimento populacional do mundo nos próximos anos.

"Mas é importante ficar atento a três questões: de onde virá a comida, de onde virá a energia e onde encontrar os ingredientes da transição para a 'economia verde'", destacou Troyjo, reforçando que o Brasil pode ampliar sua vantagem competitiva caso se posicione de forma mais efetiva nesse contexto.

O AVANÇO DOS EMERGENTES

O redesenho global que vai afetar o comércio exterior brasileiro compara o crescimento de blocos econômicos e a Paridade do Poder de Compra (PPC) de cada um deles. De um lado, o G7, que reúne importantes economias industriais e pós-industriais (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, Itália, França e Canadá), cuja PPC dos países membros é US$ 48 trilhões (dados de 2021).

De outro, o E7, cuja PPC das sete maiores economias emergentes (China, Índia, Brasil, Indonésia, Turquia, Rússia e México) é de US$ 58 trilhões, ou 20% maior que o do G7.

"Não importa a projeção ou a bola de cristal: no futuro da economia mundial, seja em 2024, 2030 ou 2035, parece claro que a força motriz da expansão e da demanda virá dos emergentes", disse Troyjo.

Hoje, lembrou, a China responde por 33% da formação do crescimento econômico mundial, e essa tendência de crescimento dos emergentes só vai continuar. Além de ser um impacto diferente para a economia global como um todo, o Brasil pode se destacar com um grande jogador nesse tabuleiro comercial atendendo a esses países.

Alguns países impressionaram nos últimos anos pelo crescimento, como Coreia do Sul, Hong Kong e Taiwan, de populações razoavelmente pequenas. Mas, quando entra no jogo a Indonésia, com 280 milhões de habitantes, a Índia, com mais de 1,5 bilhão, e a própria China, o crescimento do comércio exterior em países como o Brasil, fornecedores de alimentos, é muito significativo. "É um impacto vertiginoso em termos de consumo interno", destacou.

Ele exemplifica em números: em 2001, as exportações Brasil-China somavam US$ 1 bilhão por ano, sendo que o país asiático tinha um PIB de US$ 2 trilhões. Hoje, 21 anos depois, essa relação é de R$ 1 bilhão a cada 60 horas, com o PIB chinês em US$ 19 trilhões. "São números muito impressionantes", disse.

Além do crescimento populacional de países asiáticos, o Brasil deve ficar atento à sua renda per capita. Na Índia, por exemplo, a renda vai dobrar até 2033, chegando a US$ 6 mil.

E o que acontece quando essa renda cresce a partir de uma renda tão baixa, de maneira tão vertiginosa e em um curto espaço de tempo? "As pessoas comem mais, consomem mais energia e demandam mais infraestrutura", disse Troyjo.

'WATER TRADE'

Por isso, fornecer alimentos, energia e fomentar a economia verde é um caminho interessante para o Brasil. Apesar de o planeta ter quatro grandes produtores de alimentos, há problemas pelo caminho, já que a água é o principal ingrediente para produzi-los.

A China, por exemplo, é um importador líquido pelo próprio tamanho da população, que já tem problema de acesso aos recursos hídricos. Já os Estados Unidos têm dificuldades na sazonalidade da produção. A Índia, por sua vez, tem problemas hídricos ainda mais complexos, com 450 milhões de habitantes ainda na zona rural e agricultura de subsistência.

"Além de ser uma das economias mais protegidas, há a questão inflacionária, já que seus alimentos são considerados alguns dos mais caros do mundo", explicou.

Nesse contexto, o Brasil sai na frente entre os emergentes como water trade, algo como "comerciante de água" - elemento essencial na produção de alimentos, reforçou Troyjo.

Ele afirma que, quando exportamos soja para a China, na verdade estamos exportando água, já que cada tonelada do grão precisa de cinco vezes mais recursos hídricos para a produção do que o milho, commoditie que o país asiático produz domesticamente.

"O Brasil tem as maiores reservas hídricas do mundo e acesso de maneira circular e sustentável a esses recursos por conta das características dos biomas", disse. "Há os desafios da infraestrutura, mas é um cenário bastante favorável para o Brasil como produtor e fornecedor de bens alimentares, energéticos e de economia verde para o mundo emergente", sinaliza.

REGLOBALIZAÇÃO NA PRÁTICA

Outra dinâmica importante que já mexe com o comércio exterior brasileiro é o redesenho geopolítico das redes globais de valor - como a competição entre Estados Unidos e China e o avanço de blocos econômicos concorrentes, que não se alinham mais aos grandes.

Hoje, com o processo de desindustrialização da China, e a diminuição da manufatura no PIB do país, o percentual que ela representava vem sendo absorvido por outros países, com acordos de comércio exterior muito mais modernos - como os que envolvem padrões de meio ambiente, por exemplo, se fazendo mais presentes nos investimentos, explicou Troyjo.

"Há 20 anos, acostumamos com um mundo onde uma bola de vôlei era desenhada na Alemanha, o couro sintético era produzido na Malásia, era montada na China, transportada por logística norueguesa, com contabilidade feita na Irlanda e agência de publicidade brasileira", lembrou. "Ou seja, uma bola com a inscrição 'made in China' na verdade deveria ser 'made in global', já que diferentes contribuições econômicas participavam desse processo."

Mas hoje esse redesenho está mudando: o mundo vive uma nova doutrina, uma espécie de casamento de novas visões políticas internas e externas - ou a geoeconosecurity, segundo Troyjo, para nomear a junção de geopolítica econômica com a segurança das nações.

"Mesmo países mais abertos e liberais como o Reino Unido e os Estados Unidos estão implementando essa nova visão, para trazer de volta para seu território diversos elos da cadeia de produção que, em nome da eficiência, nos anos 80, 90 e 2000 foram para a Ásia."

Se a China, que já foi chamada "fábrica do mundo" nos últimos 40 anos, agora tem a parcela de manufatura caindo no PIB, outros países vizinhos, com atividade muito intensa em mão de obra e baixo custo, passaram a jogar esse jogo aproveitando as oportunidades - caso de países como Vietnã, Myanmar e Bangladesh. E, um pouco mais além, o México, apontou.

O EXEMPLO DO MÉXICO E DA ÍNDIA (E O QUE O BRASIL PRECISA MUDAR)

Recebendo um estoque muito grande de investimentos diretos na manufatura como resultado do nearshoring (estratégia das empresas de levar a produção para mais perto dos mercados consumidores), o México, além de viver um boom industrial, do ponto de vista geográfico se destaca na geoeconosecurity.

As empresas globais têm buscado uma porta de entrada melhor para o mercado americano, o maior do mundo e, além de ficar muito perto dos Estados Unidos e do Canadá, o México tem a "chave" dessa porta por fazer parte do USMCA - o "Nafta 2.0", que renova o antigo tratado de comércio entre os três países.

O acordo é parte de um enxoval de outros 40 que o país tem com diversas regiões do mundo - e que permitem que qualquer atividade realizada em seu território tenha acesso privilegiado aos mercados canadense ou americano, ou seja tratada como produto mexicano nos dois mercados. "É um grande diferencial no comércio exterior, e o México tem feito isso muito bem", disse.

Troyjo também citou a Índia e os "indianos de antenas ligadas" que, percebendo a saída de capital da China, têm trabalhado para atrair multinacionais e se tornar o novo destino do comércio internacional, pela posição geopolítica e grande mercado interno. A ideia: se tornar a nova potência manufatureira do mundo, com o programa "Made in Índia".

E o Brasil? Entre os fatores positivos citados por ele, estão o regime democrático com divisão de poder regular, uma estrutura rara para se tornar economia de mercado, além do estado de direito consolidado como diferencial competitivo e representativo na nova ordem global.

Por outro lado, a carga tributária representa 35% do PIB. Comparada à média dos demais emergentes, que é de 20%, e do México, 21%, ela não é nada atraente. "No momento de reposicionar essas unidades, o Brasil entra com um jogo muito mais pesado do que os outros países."

Enquanto o México tem diversos acordos comerciais, o Brasil também leva desvantagem. Atrelado durante anos ao Mercosul, o que expandiu o comércio entre os países da América do Sul, o acordo acabou se tornando um "freio de mão puxado" nos acordos com outras regiões, como a União Europeia, lembrou. Também não tem acesso privilegiado ao mercado americano, tendo seu perfil marcado pela dependência da Ásia no comércio exterior.

Mas ainda assim, essa nova configuração do mercado global deve trazer mais vantagens que malefícios para o Brasil, segundo Troyjo, caso o país saiba jogar o jogo de forma inteligente - em especial no setor em que tem tradicionais vantagens competitivas, como o de alimentos.

"Elas se transformaram no colchão de recursos necessário para formar novas competências de agregação de valor e aumento da produtividade em áreas intensivas em tecnologia", disse.

Como membro do G20, do Brics e no caminho para fazer parte da OCDE, o país precisa agilizar a competitividade quanto ao processo de modernização institucional. "Muitas oportunidades estão se descortinando, mas precisam vir acompanhadas de reformas internas rigorosas, para que o Brasil se torne uma das economias mais dinâmicas dos próximos 20 anos", concluiu.

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