Carregando...

Acompanhe as últimas notícias sobre contabilidade nas principais áreas.

Receita antecipa tributação de créditos recuperados em tese do século

Receita antecipa tributação de créditos recuperados em tese do século

Entendimento da solução de consulta 308 prevê tributação no momento do reconhecimento contábil.

Anos após ser fixada pelo STF, a "tese do século", que excluiu o ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins, segue gerando debates.

Recentemente, a Receita Federal publicou entendimento que muda as regras sobre o momento da tributação dos créditos recuperados a partir da tese.

Na solução de consulta 308, que é vinculante, a Receita Federal dispõe que a tributação dos valores a serem devolvidos às empresas deve ocorrer no momento do reconhecimento contábil.

Na prática, significa que a empresa poderá ser obrigada a pagar o tributo muito antes de ver a cor do dinheiro.

Sobre o tema, ouvimos especialistas.

Entenda

Após o julgamento do Tema 69 de repercussão geral no STF (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins), muitos contribuintes apuraram valores significativos de PIS/Cofins a serem recuperados.

A advogada Thais Veiga Shingai (Mannrich e Vasconcelos Advogados), explica que, para as grandes empresas, no lucro real, essas recuperações de tributos pagos indevidamente ficam sujeitas à tributação por IRPJ e CSLL e, já há alguns anos, os contribuintes têm questionado quando esses impostos devem ser recolhidos: se (i) logo após o trânsito em julgado do processo judicial reconhecendo a existência do indébito; (ii) quando do reconhecimento do indébito na contabilidade; (iii) na habilitação do crédito pela Receita Federal; (iv) na primeira compensação; (v) a cada compensação; ou (vi) somente quando as compensações forem homologadas.

Em 2021, a Receita publicou uma solução de consulta (Cosit 183/21) afirmando que, se a decisão judicial for ilíquida, ou seja, não indicar exatamente o valor a ser recuperado, a tributação não pode ocorrer na etapa "i" (após trânsito em julgado). Para a RFB, a tributação deveria acontecer na etapa "iv", ou seja, quando de fato houver a compensação, pois somente na primeira compensação a empresa declara ao Fisco o valor total que recuperará.

Como, na prática, as decisões sobre o tema são ilíquidas, a solução 183 foi um alento aos contribuintes, que, com base nela, puderam ter tranquilidade para recolher PIS/Cofins sobre o indébito somente na primeira compensação.

Mas, em dezembro último, foi publicada nova solução de consulta, a 308/23, alterando o primeiro entendimento. Esta, por sua vez, diz que, se o valor do indébito foi reconhecido na contabilidade antes da primeira compensação, o tributo deve ser recolhido já neste momento. "Na visão da Cosit, se a empresa contabilizou o indébito, ela já conhece o valor a ser recuperado e, assim, teria plenas condições de recolher IR/CS sobre ele", explica Thais.

"Essa mudança de entendimento é preocupante porque muitas empresas, valendo-se da SC 183/21, recolheram IR/CS na primeira compensação e, agora, poderiam ser autuadas ao argumento de que pagaram esses tributos com atraso."

Além da instabilidade jurídica que essas mudanças de entendimento trazem, a advogada acredita que a SC 308/23 é questionável. "Primeiro porque o simples reconhecimento de um valor na contabilidade não implica ocorrência do fato gerador de tributos. Segundo porque, para que IR/CS sejam devidos, deve haver disponibilidade econômica ou jurídica de renda e, no caso dos indébitos tributários, isso não acontece antes da compensação. É nesse momento que a empresa efetivamente dispõe do tributo recolhido indevidamente, usando-o para quitar outros tributos devidos."

A tributarista Patrícia Kayo (Rivitti e Dias Advogados) destaca que, no caso do contribuinte que apresentou essa solução de consulta, sequer houve trânsito em julgado, segundo ele relata. "Não havia, ainda, ganho definitivo, e a receita sequer teria analisado esse aspecto, se limitando a trazer a complementação em relação à normativa anterior."

"Ainda que não tenha havido trânsito em julgado, se houver reconhecimento contábil, como ele indica que a empresa tem certeza do valor que tem a recuperar, então considera-se que o montante está sendo acrescido ao patrimônio e, portanto, é uma grandeza sujeita a tributação", explica Patrícia, de acordo com o entendimento mais recente da RF.

Crédito limitado

Além da mudança de entendimento entre as soluções de consulta, há, ainda, uma terceira questão alterando este cenário: o governo publicou, no último dia 29, a MP 1.202, a qual limitou estas compensações.

Segundo explica a advogada Ana Lidia Cunha, pela nova regra, a compensação observará o limite mensal estabelecido em ato do Ministro da Fazenda. Além disso, esse limite: (i) será graduado em função do valor total do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado; (ii) não poderá ser inferior a 1/60 do valor total do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado; (iii) esse limite mensal de compensação não será estabelecido para crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado cujo valor total seja inferior a R$ 10 milhões.

"Há diversos argumentos contrários a essa limitação trazida pela medida provisória que alterou a redação do artigo 74-A da lei 9.430/96", afirma a advogada. "Para mim, a mais relevante é que contraria o artigo 170 do CTN."

Segundo Ana Lídia, o artigo 170 prevê que a lei pode autorizar a compensação e para tanto fixar as condições e garantias. Entretanto, não poderia limitar quantitativamente o valor da compensação, já que não se trata aqui de fixar condição, mas atrasar um direito determinado pelo Poder Judiciário.

Corrida para o Judiciário

Na visão da advogada Karem Jureidini Dias (Rivitti e Dias Advogados), na prática, com essas limitações, pagaria-se toda a tributação de um crédito que pode demorar cinco anos para ser utilizado, ou mais. "Não se sabe sequer se a empresa vai ter débitos compensáveis, se vai usar isso. Nem se a empresa vai estar viva."

Assim, a expectativa é de que a Receita altere o posicionamento, sobretudo após a publicação da MP. Se não for alterada, Karem Dias acredita que haverá verdadeira avalanche de medidas judiciais buscando reverter a situação.

Para a especialista, o momento mais coerente para a tributação seria não na primeira PER, mas a cada compensação.

"Não pode ser diferente. Se vou ter limitação de 1/60 avos, não vou ter sequer a disponibilidade econômica jurídica do crédito. Não seria regular tributá-lo antecipadamente."

× Como posso te ajudar?